Por Nilson Gomes
Os debates acerca da divisão do Pará ganharam a conotação que os políticos quatrocentões desejam, a de uma guerra entre os moradores da Grande Belém com os de Carajás e Tapajós. Essa briga interessa apenas aos que conservam os três Estados no atraso. Se os moradores de Altamira e Xinguara não veem, há décadas, o que os administradores do Pará fazem com os recursos advindos das commodities, muito menos os da periferia da Capital. Portanto, não apenas os dois futuros Estados planejam participar do soerguimento, mas também os belenenses.
Belém é uma cidade lindíssima, com suas tradições populares e religiosas. No âmbito ideológico, já experimentou os mais diferentes modelos de gestão e nenhum se lixou para as raízes do sofrimento de tanta gente. Enquanto teve ouro ao alcance da mão, Serra Pelada expeliu minério ao mesmo tempo em que milhares viviam encarapitados sobre excrementos em Belém, a poucos metros dos palácios. A esses, aos pobres, o dinheiro extraído da terra continua enterrado em algum lugar, apenas sai de perto para longe – ou às vezes não, pois os palácios estão ali, na mesma cidade, opulentos.
Os habitantes de Tapajós, Carajás e da Grande Belém são vítimas do abandono. Nasceram ou foram adotados por uma terra abençoada por Deus, mas desde o Grão-Pará gerida por correspondentes do capeta. O pessoal de Carajás e Tapajós tem o mesmo desejo dos belenenses: usufruir das maravilhas que herdaram dos antepassados. Não apenas o Sul do Pará tem imensas faixas da população oriundas de outros Estados. Belém igualmente sempre foi acolhedora, até pela vocação cosmopolita. É idiota a acepção de serem “de fora” os defensores da divisão. São paraenses, mesmo tendo vindo das mais diferentes regiões, como paraenses se tornaram alguns dos personagens importantes da história do Estado, mesmo nascidos em longínquas paragens.
É tradição no Pará o abrigo ao Brasil. O Grão-Pará era, ele próprio, um país. Nas seguidas reformas demográficas, dele nasceram o Amazonas, Roraima, Amapá. Nele, o Brasil se ampliou, como base para a conquista do Acre. Então, até aí cabe a comparação com Goiás, Estado do qual saíram o Triângulo Mineiro, o Distrito Federal e o Tocantins, além de trechos da Bahia e do Mato Grosso. Foi bom para todas as partes. O filho caçula, o Tocantins, evoluiu e Goiás não parou de crescer. A melhor publicidade que Carajás e Tapajós podem ter é comparar o Tocantins e Goiás do final dos anos 1980 com a situação neste início de década.
Quando me mudei para o Sul do Pará, em 1981, as rodovias eram péssimas. Continuam intransitáveis. Energia elétrica era um drama. Continua dramática. Saúde pública inexistia. Continua inexistente. Melhor investimento em Educação era mandar o filho para tão-tão distante. O ensino público continua no nível dos ogros. A corrupção era uma praga – agora está endêmica. Ecologia era apenas um verbete dos chatos. Hoje é um dolorido retrato da devastação. Enfim, as cidades melhoraram por sua conta e por dedicação de sua gente, não por mérito do poder central. Passaram governadores dos mais diferentes matizes. E os pobres permaneceram sem ver a cor do desenvolvimento, seja em Óbidos, Castanhal ou Redenção.
As estradas, os doentes, a devastação, a corrupção, o desprezo – alguém lucra com tão disparatado excesso de ruindade e esse alguém não quer largar o filé. O povo, que padece nas periferias da Grande Belém como sofre nos confins do Carajás e do Tapajós, contabiliza apenas prejuízo. Andar pelos bairros humildes de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides desperta para as perguntas: por que os recursos das jazidas não chegaram até aqui? Percorrer Santarém, Tucuruí, Marabá, São Félix, Conceição sugere as indagações: cadê um vestígio dos quatrocentões do Pará?
Escondem-se das pessoas simples os trambiques complicados: as riquezas naturais do Pará ficam para os exploradores internacionais e seus comparsas locais. Nem as migalhas vão para os carentes. Carente, no vocabulário de Pará, Carajás e Tapajós, é carente mesmo, de tudo, inclusive de atenção. Os trabalhadores, sejam eles empregados ou patrões, carecem da oportunidade de crescer. Os agricultores sem terra ou que têm apenas um pequeno pedaço de chão precisam escapar dos militantes profissionais e dos pistoleiros mais profissionais ainda. Como o Estado não os ampara, vão parar nas manchetes. Fica a imagem de um Pará sem lei ou da lei da bala. E não é assim. O que fez o Estado ganhar essa fama foi a tolerância com os foras-da-lei.
Pará, Tapajós e Carajás serão muito mais felizes com o desmembramento, pois não é uma terra que se separa, é um desrespeito que os une. O povo do Pará vai se ver mais próximo de todos os políticos, não precisará mais querer saber de onde é aquele ali do Congresso que ostenta um PA entre parêntesis. Sabendo quem são todos, um a um, fica mais fácil cobrar. Apertados, de perto, os administradores vão render melhor para a Grande Belém e os demais municípios do Pará. O mesmo vale para Carajás e Tapajós, que começarão sua trajetória pressionando para que não se repitam os erros dos quais tentam se livrar.
A felicidade do povo pode se chocar com o interesse de alguns, pois a população de Tapajós e Carajás ganha a liberdade perdendo o comodismo. Vai exigir o desfrute do que produz. Se Parauapebas é a cidade mais próspera do Brasil, a região inteira tem de ser agraciada com isso. O mesmo vale para todas as cidades de todos os tamanhos, distritos, vilas, povoados, assentamentos, acampamentos, garimpos. De ilhas bastam os palácios. Por questões geográficas, econômicas, políticas e culturais os três Estados já são divididos. O plebiscito haverá de confirmar a vontade da independência, que tornará mais soberanas as pessoas de Carajás e Tapajós, como principalmente as do Pará, o gigante Grão-Pará, que nunca dependeu de dimensões continentais para seu povo se considerar vencedor.
Nilson Gomes é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário